Em busca da mulher que nunca ouviu que fazia algo “tão bem quanto um homem”

Todos temos aquelas coisas que fazemos com excelência. No meu caso, escrever com clareza e poucos erros ortográficos, editar textos rapidamente, preparar filé acebolado no ponto perfeito, identificar compatibilidade com alguém numa primeira conversa e fazer baliza são algumas delas. A foto que ilustra este texto é de uns dias atrás, quando, quase atrasada para uma reunião, estacionei na última vaga paralela que restava perto do meu destino com apenas três manobras. Mesmo com pressa, decidi registrar o feito, para escrever este texto que há tempos venho gestando, sobre o tipo de elogio que recebi algumas vezes e com que ainda não me acostumei.
Quando estaciono em vagas apertadas como a da foto, posso afirmar sem medo de exagerar que em 99% das vezes sou atingida por algum olhar de espanto (normalmente) masculino. Não raras foram as ocasiões em que ouvi frases como “Nossa, tia, a senhora é braço!” ou, uma das minhas preferidas, bastante frequente, sempre enunciada por um indivíduo portador de saco escrotal: “Nem eu faria tão bem”. A linha de expressão horizontal na minha testa de 50 anos de idade é testemunha do quanto essa desfaçatez dos moçoilos não cessa de me espantar.
Já não era um elogio adequado nos anos 1970, quando a superlativa jornalista Ana Maria Bahiana foi saudada por um colega de redação (igualmente superlativo) por “escrever como homem”. Eu conheço o elogiador (e o adoro e admiro) e sei que o comentário foi feito com a melhor das intenções – e, lembremos, há 50 anos, homens não serem intrinsecamente machistas era tão raro quanto um adulto não fumar cigarro –, mas se já não era uma observação confortável então, imagina agora.
2025 ali na esquina, e ainda tem quem insista nos padrões azul x rosa, coisa de menino x coisa de menina, trabalho de homem x trabalho de mulher. Na outra ponta, os defensores ferrenhos da ideia de que gênero é “apenas uma criação social”, gente que rejeita a ideia de que existam tendências naturais de cada indivíduo (muitas majoritariamente relacionadas ao sexo biológico). Como sempre, em qualquer dos extremos, todo mundo sai perdendo, já diria a ex-presidente Dilma Rousseff.
Por necessidade profissional, há algumas semanas estou devorando conteúdos de profissionais de diversas especialidades falando sobre a sobrecarga a que são submetidas mulheres (sejam elas mães ou não, casadas ou não) no mundo todo, de diferentes idades, culturas e classes sociais. Quanto mais aprendo e descubro sobre essa realidade, mais me questiono: por que, afinal, não instituímos como elogio oficial aos homens dizer que eles atingiram a excelência ao fazerem qualquer coisa como uma mulher? E eu mesma respondo: porque as mulheres inclusive elogiamos melhor!
Gosto de acreditar que há esperança, porém. Observando a turma da minha filha de 12 anos, percebo que existe uma maior flexibilidade sobre os gostos, as vontades, os talentos e, mais do que tudo, as possibilidades de cada criança. Seja ela menino, menina ou muito antes pelo contrário. É verdade que é um recorte privilegiado, de uma bolha onde o respeito pelo outro é quase unanimidade entre os pais e educadores envolvidos, mas há que se começar em algum lugar.
